segunda-feira, dezembro 22, 2003

GLÓRIA e MORTE

Uma chuva medrosa corre os vidros num numero longo e bom.
Lá fora, o casarío pingado, a cidade encharcada e sombria.
Um belo rosto desfeito em água.
A vida largou as ruas e procurou um tecto para respirar.
Eu... Eu estou aqui, um pouco como exilado, sentado à secretária velha de um quarto alugado, com o teclado debaixo dos dedos moles, embriagado de uma calma imensa que me toma o corpo e o espirito. De uma calma à muito tempo apetecida.
Um bom sono far-me-ia bem provavelmente. No entanto hoje teimo em escrever-te, escrever-te este post que provavelmente nunca o lerás. Talvez ficará guardado no Baú como um apontamento amado que quero rever sempre, para que o testemunho seja homenagem, para que possa dizer que hoje pensei em ti.
Pensei em ti.
Como a febre de ontem se tornou agora numa saudade doce e meiga que me enche a alma. Lembro o nosso primeiro encontro, o primeiro beijo, e surpreendo-me rindo.
Tu, a palavra ágil, o gesto largo, o olhar vivo, o corpo sempre agitado, como quem sente escaldar-lhe o sangue nas veias.
Tu, tal como concebias a vida; intrusa e breve...
Eu, tal como nesse tempo me penso.
Que dizer do encontro senão que, além de um longo monólogo, foi o maravilhoso despertar de uma paixão desmedida, de um amor louco sem tempo nem espaço... o arrebatamento da nossa entrega exclui-nos como seres próprios... éramos um todo tirânico que pensava, que agia.
Recordo os passeios pela praia apanhando conchas, contando ondas, murmurando segredos, prometendo impossíveis... e o delírio dos beijos, os loucos abraços, os olhares perturbados... e a angústia de umas férias que chegavam ao fim. Era a hora da separação. Teria de voltar.
No cais da estação, por muito tempo me ficaram nos olhos os teus olhos húmidos, o tremor das tuas mãos, a boca abrindo-se para um adeus magoado, e por muito tempo me ficou a sensação dolorosa de ter deixado no cais um pouco de mim próprio.
Foram tempos dificeis esses...
Tal como a vaga forte que se abate na praia, desfaz a areia, causa estragos e molda a paisagem, mas volta sempre ao mar de onde saiu.
GLORIA e MORTE
Assim é o nosso amor. Afinal, o teu. O meu primeiro amor.

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