quinta-feira, janeiro 01, 2004

ALGUMA VEZ DANÇARAM COM O DIABO AO LUAR?!?

O sol nasceu hoje pela primeira vez este ano. Mas foi ontem que me apeteceu dançar contigo ao luar.

Numa qualquer rua de Buenos Aires ou Montevideu, senti-me perdido na alquimia do revolutear entre a terra e o céu, de alma rendida à liberdade, à audácia e ao milagre de andar a um palmo do chão.
O meu desejo, naquele momento, era dissolver-me num belo temporal, e procurar numa dança devassa e canção melancólica, típica dos bordéis do séc. XIX, uma forma de luto ou escape.
Procurei, ali, no meio daqueles transeuntes, muitos deles pertencentes ao partido dos sem opinião, tímidos, pavoneando-se numa parada de corte em busca de um(a) parceiro(a) para acasalar, uma escultura viva, de andar deslizante e jovial para me acompanhar nesta dança.
Quando, finalmente, te encontro no meio da multidão, não consigo alinhar duas palavras porque me fazes arrepios. Em vez de proferir qualquer som, num disparo, começa a despontar o efeito de uma grandeza arrebatadora, amor impossível, hábitos partilhados e pernas enlaçadas - o tango está a nascer... o tango está a acontecer.
O lirismo ansioso e sublime da música consolidou a tua identidade, a verdadeira personificação do romance, conferindo-te um tom refinado, erótico, trágico e ousado.
A partir de agora é proibido trocar palavras.
Enquanto dançamos surgem formas pálidas que desaparecem de novo, engolidas pelas nuvens do denso nevoeiro branco que se abatem neste palco.
De corpo e alma nesta dança, onde o arrojo estético é símbolo mortífero da nossa autoridade, espelhamos o terror neste campo de batalha. Quando esse arrojo estético ultrapassa um determinado limite, há sempre um conjunto de vozes - muitas vezes chamadas de puristas - que reclamam esse facto. Mas ao contrário do que já se viu escrito, este tango não parece ter nada a haver com a gestão milimétrica de um "timming". Quando muito, este tango tem a haver com a preservação cuidadosa de um quadro de condições, circunstâncias e possibilidades cuja evolução torne necessária uma vitória nesta dança.

Eu coloco o joelho direito por dentro do teu joelho e empurro-te ligeiramente o tronco (no tango, aconteça o que acontecer, o tronco da mulher permanece sempre virado de frente, totalmente centrado no homem) para a esquerda com a mão direita, forçando-te a recuar uns passos. Em quatro passos tu contornas-me e ficas de novo à minha frente. Eu afasto-te ligeiramente e tu giras de imediato parando de novo à minha frente: aqui estou eu. Eu recuo e tu segues-me imediatamente: nunca me abandones. Eu inclino-me sobre ti e tu também te inclinas... TU... mulher de cabelos compridos, subitamente tão flexível como um salgueiro: sou tua.

Alguma vez dançaram com o diabo ao luar?!?

Assim é o tango... assim é a vida... ou então não!!!!!


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