segunda-feira, dezembro 05, 2005

A VIAGEM DE UM LOUCO I de X

Num quarto de paredes brancas, está um louco que escreve freneticamente, esvaziando-se daquele último fôlego, deixando-se cair desamparado no fundo da prolongada noite. As lágrimas corriam-lhe nas faces e o ranho era lambido ocasionalmente consoante a sua intensidade. Das paredes saiam bocas, sem dentes, que pronunciavam apenas: palhaço de merda.
Sai do quarto. Entra no quarto. Ninguém o persegue. Deita-se na cama e passam cinco anos. A viagem é registada minuto a minuto. Levanta-se pensando que alguém chegaria com uma qualquer planta, monocotiledónea da família das orquidáceas, notáveis pela rara beleza, forma e colorido, colada nos ombros. Esse alguém não chegou.
Escreve apenas para ter o prazer de se reler. Saborear o que sobejou da noite, de uma realidade qualquer, talvez para avaliar o seu próprio lixo e amar-se um pouco mais. Há anos que só consegue escrever deitado e no desejo de aperfeiçoar as maresias que já não evocam pessoas queridas que o mar se encarregou de levar e comer. Escreve que foi simples viver assim.

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