quinta-feira, janeiro 08, 2004

A ALMA GÉMEA EXISTE... OU ENTÃO NÃO!!!!

Não são muitas as pessoas que acreditam que foi "vê-la e amá-la".
Mesmo num tempo apressado, mesmo com o vício de que tudo tem de ser rápido e eficaz, vai havendo a percepção, mesmo que ténue, mesmo que esbatida, que aquilo a que se chama amor é uma construção complexa e ambivalente, que não se condensa num momento nem se perscruta num breve encontro.
São poucos os que transformam uma atracção momentânea num romance condimentado. São já bastantes os que entendem que ter uma relação é uma tarefa, entre outras, complexa e exigente, a que não se acede sem esforço e vontade.
Ainda assim, muita gente, diria mesmo demasiada, queixa-se de solidão, sente-se desajeitada e pouco à-vontade sem uma companhia para todas as circunstâncias e acaba a procurar, quase com desespero, um parceiro que se encaixe e vá bem ao estilo de vida que deseja ter. Por qualquer razão tortuosa, transforma-se esta busca num estilo de vida e procura-se com a convicção de que há em algum lado, à nossa espera, a tal alma gémea... ou então não!!! Curioso como num mundo como o nosso o mito platónico consegue regressar em força. Surge assim uma crença partilhada e hegemónica de que não só é possível ter a relação perfeita como existe um ser que corresponde milimetricamente ao nosso desejo e que se se procurar bem, se se vasculhar muito, se não se for condescendente nem pouco exigente, ele estará à nossa espera. Nesse percurso cria-se uma de duas situações. Ou se consegue acreditar que banais emoções e vagas atracções são muito significatives e auspiciosas ou, contrariamente, a eventualidade de haver uma relação ainda melhor ou uma criatura mais perfeita cria ânsia de experimentar e largar e prosseguir na busca do amor perfeito, tornada demanda do santo gral.
No 1º caso, a necessidade de um outro que esteja presente, faça parte da nossa vida e dê sentido aos mais pequenos gestos costuma servir para ocultar, durante pelo menos algum tempo, a pessoa real com uma história de expectativas e idiossincrasias que de facto ali está. É sempre espantoso assistir ao desmontar do cenário e ouvir as pessoas passarem da narrativa de seres idílicos a idiotas chapados e desinteressantes.
No 2º caso, o espaço da pessoa real também não chega a ser grande coisa. O que muda é a direcção dos holofotes. Desde o começo, parece que o esforço vai no sentido da destruição sistemática das aparentes virtudes. Tenta-se descobrir defeitos, concluir rapidamente como afinal a criatura não é amável, instalar a dúvida e minar eventuais cumplicidades.
Uma e outra situações, sendo vulgares, comuns, falam apenas das nossas vulnerabilidades, dos nossos medos de entrega e partilha, das estratégias que, ainda que caricaturais e extremadas, conseguimos arranjar para não vivermos aquilo que afirmamos que nos move e desejamos.
Valendo o que vale, nunca é demais sublinhar que a ansiedade de querer ter uma relação e paixões fulgurantes e súbitas só por excepção tem alguma coisa a ver com amor.

(I.L)

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