quarta-feira, fevereiro 18, 2004

HISTÓRIAS DE UM FIM-DE-SEMANA

Há dias que acordamos ao mesmo tempo. E há dias que, como hoje, acordo antes de ti e fico a ver-te dormir. Levanto-me da cama devagar, tendo o cuidado de não te destapar. Afasto os cortinados pesados, e deixo que a luz rasgue, através das enormes janelas, o nosso espaço. Tu nem a sentes, mas agrada-te o bater do sol no rosto - Sei-o pelo gesto que fizeste e pelo sorriso que esboçaste. Continuas a dormir.
Deito-me na chaise longue do nosso quarto com vista panorâmica sobre o oceano Atlântico e a cama e fico, apenas, a ver-te dormir. Esse é o tamanho da minha ternura.
O Farol Design Hotel, em cascais, revelou-se uma óptima escolha. Acendo uma cigarrilha - em jejum, lembrando-me o quão bom é fumar sem ter nada no estômago - e começo a escrever algumas destas linhas absorvido pelas tranquilas e transparentes águas.
Roma é sinónimo de paixão. É amor escrito ao contrário. É luz. É história. É arte. É eterna. Mas Cascais, visto daqui, é isso e muito mais. A elegância e a delicatesse de touche são a sua mais valia a somar a tudo o resto.
O teu corpo está à distancia de vê-lo por inteiro. Relembro a noite de ontem. Depois de virmos do jantar beijamo-nos e fizemos amor. Adormecemos sobre o campo de batalha que os nossos corpos elegeram para elevar este sentimento àquele grau de paixão angélica, àquele grau de entusiasmo que tão rara vez aparece na terra... adormecemos... a ouvir o barulho do mar.
Acordas e sorris. Dizes-me que não tenho uma existência real... que sou uma criatura imaginaria. Dizes-me que gostas quando eu gosto. Confessaste-me honestamente quem és e que se tais sentimentos tão excessivos não me agradassem... poderia matar-te. Disseste-me que levarias uma sinistra saudade de mim. Que irias doente e triste como nunca, porque notaste em mim, um brilho nos olhos; uma expressão singular; uma espécie de prudência no meu olhar.
Eu não respondo. O meu olhar permanece imutável com ligeiros tons de enternecimento.
Pedimos o pequeno almoço para o quarto. Falamos de coisas que são importantes para nós. Dizes-me que vais escrever uma carta... não... uma não... que a tua vontade é empregar todo o teu tempo a escrever-me só para teres o prazer de receber as minhas respostas. Disseste-me ainda que todas as tuas cartas iriam conter o mesmo Post Scriptum - Il faut me dire si vous m`aimez un peu - e que o teu maior medo era que o carteiro nunca te trouxesse, a resposta, na ponta dos dedos.

Não há cegueira de amor. Não há o que se chama ilusões. Não há dessas visões que tão belas são e tanto menos duram, e não deixam por fim, senão, à triste realidade de todos os desejos, de todas as paixões terrestres, a saciedade, o fastio, sucedendo à ânsia do apetite.

E o carteiro não a trouxe na ponta dos dedos.
E o meu coração pede-me a gritos para voltar àquele quarto de hotel...

Domingo, 15 de Fevereiro de 2004

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