sábado, dezembro 10, 2005

A VIAGEM DE UM LOUCO VI de X

Manteve-se imóvel, nu, em cima da areia. Iam visita-lo e levavam-lhe ramos de lírios para enganar o cheiro nauseabundo. Falava pouco. Ficava sentado aos pés da cama... enrolava cigarros e fumava-os com os convidados. Tudo em silencio. Não pagava gás porque tinha uma ligação feita ao andar de cima. Não pagava luz porque há muito que habitava a treva absoluta. No hospital davam-lhe comprimidos de todas as cores. A enfermeira trazia-lhe o jornal todas as manhãs. Lia somente as caixas altas e anúncios sem interesse. Da parte da tarde metiam-lhe um colete-de-forças e atavam-no a uma árvore no meio do pátio. Diziam-lhe que era a hora do recreio e ele ria desalmadamente. "Podia ter-te reduzido a bocados com censuras amargas. Podia ter-te delicerado com maldições. Podia ter-te segurado num espelho e ter-te mostrado tal imagem de ti própria, que não terias reconhecido como tua, até que a visses imitando os teus gestos de horror." - Anota mentalmente para logo passar para o papel assim que as visitas se fossem embora.

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