segunda-feira, agosto 22, 2005

OS TOCADORES DE PIANO

Às notas soltas do piano são-lhes atribuídas palavras. Palavras que valem o que valem e nem todas se destinam a ser levadas pelo vento. Palavras passadas destra a cuidadosamente a preto e branco.
A tinta vai caindo sobre a água, a tinta vermelha (chamemos-lhe tinta, mas pensemos em sangue) de duas vozes - duas vidas. A tinta dissolve-se na água.
As notas do piano surgem naturalmente prescrevendo a eternidade - ao alcance de umas mãos.
O tempo arrasta-se e invade na sua mansidão. Numa subtil disciplina que cristaliza os instantes e estrutura fragilidades.
As notas do piano flúem na realidade onde vozes parecem confundir-se e abraçar-se umas nas outras, tentando idealizar qualquer coisa, segurar qualquer coisa, guardar esta ternura envolta numa dádiva que foi concedida.
Dias há, de cabeça reclinada em almofadas brancas, em que mesmo sem o conforto do sofá, sem colo, apenas se recostam nas suas próprias ternuras e fecham os olhos recolhendo-se aos seus próprios cuidados, vendo de que maneira a tinta vermelha se dilui na água. Vêem a fantasia desmoronada, os sonhos sem credito, a esperança viciada e a vida toda suspensa.

Olham sem pressa... na esperança que a tinta não se dissolva na água.

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