terça-feira, dezembro 30, 2003

O QUE REALMENTE É IMPORTANTE

Sei de cor cada lugar teu... atado em mim, a cada lugar meu.
Tento entender o rumo que a vida nos faz tomar, tento esquecer a mágoa... guardar só o que é bom de guardar.
Pensa em mim protege o que eu te dou.
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou. Sem ter defesas que me façam falhar nesse lugar mais dentro onde só chega quem não tem medo de naufragar.
Fica em mim que hoje o tempo dói, como se arrancassem tudo o que já foi. E até o que virá e até o que eu sonhei, diz-me que vais guardar e abraçar tudo o que eu te dei.

Mesmo que a vida mude os nossos sentidos e o mundo nos leve pra longe de nós, e que um dia o tempo pareça perdido, e tudo se desfaça num gesto só.

Eu Vou guardar cada lugar teu, ancorado em cada lugar meu, e hoje apenas isso me faz acreditar, que eu vou chegar contigo onde só chega quem não tem medo de naufragar.

(M.V.)

domingo, dezembro 28, 2003

GUINCHO

Esse lugar mágico, com vida própria, onde o meu coração bate descompassadamente. Onde se faz sentir a vibração do eixo do tempo, onde tudo se dilui na cegueira lenta de querer reconhecer naquele mar os veleiros que inventámos para a travessia dos nossos sonhos.
Ali, naquele lugar, onde o homem bebe àgua directamente do umbigo da terra, tudo se sente no momento certo mas perdem-se as palavras.
Por vezes, ali, naquele lugar, o dia irrompe... estranho, louco, perdido e sem ninguém à espera, naúfrago desta comédia humana que profere palavras dificeis a que atribuimos um valor, normalmente, entre os vinte e os cinquenta cêntimos.
Ao longe... quase na linha do horizonte, em direcção aquele astro, vejo, ainda que indefinidamente, uma urna de ouro sobre as vagas que já abraçaram esta costa um dia, e com a sua ira delinearam a paisagem.
A minha fome por estes dias tem estranhos caprichos. Muitas vezes só me aparece depois de comer, e hoje ainda não me apareceu em todo o dia. Talvez porque chegou mais uma vez a hora... esta mesma hora de "postar" naquela urna de ouro, que navega, tal como um veleiro em cima daquele lençol de espuma, as minhas razões de viver.
As minhas razões de viver... essas... também as vejo levadas em urna de ouro...
No mar da vida... uma por uma...
OLHA... sim, tu ai. Dá-me de comer e beber... é que me esqueci de o fazer o dia todo.

sábado, dezembro 27, 2003

VESTIGIOS DE TI

Os meus discos no chão, os copos vazios...
Vestígios da noite, as palavras perdidas... o calor e o frio...
O meu corpo no chão, um livro que eu li...
O silêncio e a pele, as palavras sentidas... os vestígios de ti...

E o mundo e a rua, despidos no vento à espera de sentir o mar
Numa vaga de espuma em sentidos guardados... no fundo do olhar

As revistas no chão, os copos vazios.
Vestígios do tempo, as palavras trocadas... o calor e o frio...
Cada gesto que abraça...
E um filme que eu vi.
O que fica marcado e já nunca se afasta... os vestígios de ti...

(M.V)

sexta-feira, dezembro 26, 2003

MANOCAS

Olha pra mim, deixa voar os sonhos, deixa acalmar a tormenta, senta-te um pouco aí­.
Olha pra mim, fica no meu abrigo, dorme no meu abraço e conta comigo... que eu estarei aqui... enquanto anoitece, enquanto escurece e os brilhos do mundo cintilam em nós. Enquanto tu sentes que se quebrou tudo, eu estarei... sempre que te sentires só.
Olha pra mim... hoje não há batalhas, hoje não há tristeza, deixa sair o sol...
Olha pra mim, fica no meu abrigo, perde-te nos teus sonhos e conta comigo... enquanto anoitece, enquanto escurece e os brilhos do mundo cintilam em nós. Enquanto tu sentes que se quebrou tudo, eu estarei... sempre que te sentires só.

(M.V.)

quarta-feira, dezembro 24, 2003

O DOCE e o AMARGO

Procuro a calma dentro de mim.
Respiro a calma dentro de mim.
Guardo o medo na gaveta.
Olho a beleza em alguém desconhecido....
Olho com ânsia todos os corpos só à procura de um rosto ausente que cresceu cá dentro.
Espero, neste canto do mundo, o despertar das violetas.
Percorro os ci­rculos com calma.
Procuro o tempo nos grãos de areia.
Fico quieto... quase imóvel.
Deixo uma vela quebrar a monotonia da escuridão.
Sinto vontade de recobrar uma lembrança...
Tenho saudades de saudades que não quero ter.
Revisto a felicidade antes de a deixar entrar.
Encarno a essência do guerreiro perfeito e educado.
Olho para as sombras de forma diferente.
Escolho, recolho, elejo, busco, expulso e modifico tudo aquilo que me rodeia a existencia.
Paro e tento perceber o desenho das pedras diante dos meus pés.
Observo um retracto daquilo que será provavelmente a mais abstracta grandeza do sonho - O SILÊNCIO.
Essa força muito maior que a simples ausência de som, atravesa todos os tempos para se estabelecer no seio de todas as dores.
Agora queria apenas conceber uma estrela, numa implosão letal de verdade e fogo, onde cometas loucos, em direcção ao mar, esbarram num mundo irreal de paredes brancas onde guardo todos os meus segredos numa tela branquissíma.
Cultivo neste branco o mais puro de todos os silêncios. Criminosas são as vozes que perturbam a imensa pureza do mesmo.
Alimento o perpétuo respirar.
Oiço um som, quase como uma melodia, que não sei muito bem explicar... um chorar perdido... qualquer que desliza até aos subúrbios da alma.
Queria abandonar-me a um caminho... qualquer coisa que me permitisse três mil e seiscentos segundos de ausência... ou um olhar.
Amanhã saberei eu andar? Saberei eu como se põe um pé à frente do outro?
Quero ver os caracóis dos anjos.
Quero perder-me na imensidão da luz azul.
Do meu lado direito a tampa do piano continua fechada... no entanto continuo a marcar as cordas soltas com zeros.
Lembro meses, semanas, dias, noites, horas...
Tempos em que unidos pelo silêncio, com uma lua cheia a servir de melodia de fundo, o trepidar das chamas... trémulas... incertas, com o frio pelas costas, mas o calor dentro de nós, felizes na alegria de estarmos juntos, encontramo-nos e descobrimo-nos.
De olhos abertos ou fechados, sentimos na alma tudo o que pairava na noite, tudo o que a tornava tão leve e doce, tão viva, tão mágica. Parecia não existir mais nada. Não existia. Aquele era o momento certo. Aquela era a verdade. Não demos as mãos... elas já estavam dadas. Éramos mútuos... completos... Ali a vida teve uma razão... Ali existimos.
E... sem aviso, inoportunamente, suja e cruel ela surgiu. Como um abalo preto courado pela dor daquela indefinida melodia distante... Azul escura quase negra. Caiu ali, naquele momento, em cheio, na pétala frágil, intacta e inocente, azul clara quase branca. Levou-a nos braços, sem autorização, como quem pode e manda, sugando a beleza de uma vida, minuscula e doce, vivida por uma flôr de seda que não pode resistir a tal INTRUSO
Constato, assim, que o DOCE nunca é tão doce se não tivernos a percepção daquilo que é AMARGO.

segunda-feira, dezembro 22, 2003

GLÓRIA e MORTE

Uma chuva medrosa corre os vidros num numero longo e bom.
Lá fora, o casarío pingado, a cidade encharcada e sombria.
Um belo rosto desfeito em água.
A vida largou as ruas e procurou um tecto para respirar.
Eu... Eu estou aqui, um pouco como exilado, sentado à secretária velha de um quarto alugado, com o teclado debaixo dos dedos moles, embriagado de uma calma imensa que me toma o corpo e o espirito. De uma calma à muito tempo apetecida.
Um bom sono far-me-ia bem provavelmente. No entanto hoje teimo em escrever-te, escrever-te este post que provavelmente nunca o lerás. Talvez ficará guardado no Baú como um apontamento amado que quero rever sempre, para que o testemunho seja homenagem, para que possa dizer que hoje pensei em ti.
Pensei em ti.
Como a febre de ontem se tornou agora numa saudade doce e meiga que me enche a alma. Lembro o nosso primeiro encontro, o primeiro beijo, e surpreendo-me rindo.
Tu, a palavra ágil, o gesto largo, o olhar vivo, o corpo sempre agitado, como quem sente escaldar-lhe o sangue nas veias.
Tu, tal como concebias a vida; intrusa e breve...
Eu, tal como nesse tempo me penso.
Que dizer do encontro senão que, além de um longo monólogo, foi o maravilhoso despertar de uma paixão desmedida, de um amor louco sem tempo nem espaço... o arrebatamento da nossa entrega exclui-nos como seres próprios... éramos um todo tirânico que pensava, que agia.
Recordo os passeios pela praia apanhando conchas, contando ondas, murmurando segredos, prometendo impossíveis... e o delírio dos beijos, os loucos abraços, os olhares perturbados... e a angústia de umas férias que chegavam ao fim. Era a hora da separação. Teria de voltar.
No cais da estação, por muito tempo me ficaram nos olhos os teus olhos húmidos, o tremor das tuas mãos, a boca abrindo-se para um adeus magoado, e por muito tempo me ficou a sensação dolorosa de ter deixado no cais um pouco de mim próprio.
Foram tempos dificeis esses...
Tal como a vaga forte que se abate na praia, desfaz a areia, causa estragos e molda a paisagem, mas volta sempre ao mar de onde saiu.
GLORIA e MORTE
Assim é o nosso amor. Afinal, o teu. O meu primeiro amor.

domingo, dezembro 21, 2003

Os AMIGOS

É relativamente indescutível a importância dos amigos. Num tempo em que as familias vao perdendo a função tradicional de apoio, suporte afectivo e social, é preciso tecer outras teias que dêem alguma resposta àquilo que sempre foram as necessidades humanas.
É preciso alguém com quem conversar só por conversar, alguém que oiça os desabafos e os segredos, alguém que nos acompanhe à praia ou ao cinema.
É preciso ter um outro que seja cúmplice de pecadinhos menores, que nos leve os medicamentos a casa quando estamos doentes, nos defenda quando tudo parece estar contra nós e nos ofereça o ombro para as lágrimas ou o sorriso imenso de verdadeiro gozo, quando tudo nos corre bem e nos sentimos no limiar da felicidade.
É preciso que os amigos sirvam para as ocasiões, não algumas mas todas; que partilhem o que houver a partilhar e que permaneçam na ribalta ou na sombra, conforme os momentos e as circunstâncias.
É preciso que os amigos nos convidem para o natal quando estamos sozinhos; nos levem de férias ou nos dêem de jantar; nos mimem e nos telefonem e, sobretudo, sejam presentes como só os amigos sabem ser. Acho que não há ninguém que não queira amigos assim. Acho que não há ninguém que não imagine que os amigos sejam assim, ou deviam ser. Também por isso, há tão pouca gente a achar que tem amigos e há tanta gente zangada a dizer que, afinal, os supostos amigos eram de Peniche... que aqueles em quem confiavam, pelos quais poriam as mãos no fogo e em relação aos quais acreditavam que havia elos víscerais e eternos, afinal TRAIRAM, MENTIRAM, DESERTARAM ou ABANDONARAM.

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