quinta-feira, janeiro 29, 2004

FICO QUIETO... COMPLETAMENTE IMÓVEL

Fico quieto.
Completamente imóvel no meu não-lugar escolhido. Fecho os olhos, como se guardasse um livro velho e esquecido no colossal mundo das histórias. E assim, dissolvido na escuridão do anonimato, decifro aos poucos o contraponto. O louco movimento. As viajantes utopias do meu sentir.
Os olhos fechados na escuridão e no cuidado. Os aromas frios e o toque da água nos pés. As musicas perdidas na memória.
Relembro o tempo e o pensamento. Deixo que a esperança alimente o caminho, segure as pedras quebradas e o limite da loucura.
Páro um pouco.
Relembro a vontade e as músicas perdidas na memória. Páro um pouco para limpar a escuridão (tento abrir os olhos na realidade certa).
Instalo cuidadosamente o tempo e o espaço, perfeita e geometricamente, sem versos brancos a perturbar o equilibrio.
Volto mais uma vez a guardar o medo na gaveta, e espero o silêncio que me invade devagar.

Fico quieto... completamente imóvel.

(se alguém deixar cair um copo imediatamente se estilhaça o silêncio)

terça-feira, janeiro 27, 2004

TRAÇOS

Desejo adornos de pureza.
Torneados simples e directos de uma virgindade de gelo.
O barulho fica do lado de fora da porta.
Todas as preocupações estão penduradas num cabide.
Todo o sentimento é relanceado por um silencio profundo.
A queda de um império de cartas sufoca sob uma imparcialidade seca.
É difícil sentir um bocadinho de noite confortável - em calor delicado (que não incomode)
Controlo uma mente com uma palavra que se relaciona num turbilhão de luz de mel.
À minha frente uma mulher de aço sem olhos.
Não falo. Não oiço. Não vejo. Não sinto. Não sou.
Das paredes emergem loucos que bailam com olhos devoradores que consomem a carne.
O sal do mar percorre-me as veias.
Nunca se soube se é belo o cantar das sereias.
Continua a chover.
As palavras libertam os monstros das paredes e o canto das sereias permanece inaudível.
O chão esta coberto de água onde nascem flores de pedra... delicadas e frias.
Sinto um calor absurdo de febre e sal.
Sinto o desejo, repentino, de me metamorfosear.
Quero gritar também.
A chuva bate em vidros que cortam e não me pertencem.
Suspendo lembranças mortas e rasgo pedaços de memória.

Numa semana do tempo
a pagina em branco
com apenas um desenho - traços

DEIXA-ME IR E PEDE-ME PARA VOLTAR!!!

O corpo cansado e absolvido que entregas numa haste de chamas.
O espirito liberto de alguma forma.
E depois esqueces o regresso e as eternas loucuras sempre iguais.
Não merece a pena um cigarro; um pedaço de droga torcida que não aquece as mãos.
E depois a luta - embriagados momentos de perdição, uma luta mortal pela posse do corpo... duas vertentes malditas de uma alma.
Mas tudo acabou e o corpo regressa salvo... cansado... liberto... absolvido de todas as culpas que se calhar nunca conquistou.

domingo, janeiro 25, 2004

LOUCURA PRIVADA

Do ponto de vista da minha loucura privada tentei desvendar a quantidade de cores necessárias para a edificação de um pôr-do-sol. Ela é em grande medida, um acumular de lugares e de referências encadeados numa geografia ao mesmo tempo real e sentimental que por vezes dão origem a uma festa de ódio cuja a estranha euforia nunca ninguém poderá compreender. É como se os meus lábios tivessem descoberto o que são outros lábios, pela primeira vez, e eu, os quisesse pintar a óleo numa tela de água para que se diluíssem, e eu não vê-los nunca mais... a não ser naquele reflexo de final de tarde.
Este happening íntimo é um pequeno paraíso privado, que rasga as paredes, da casa onde me encontro, com grandes janelas de portas de correr criando uma ligação muito forte entre o interior e o mundo real.
Porquê? Porque gosto de um rasgo de luz a atravessar um espaço.

Entre todos os amantes estabelecem-se estupidamente regras de fogo inconscientes mas com a força de lei de que não devem ser transgredidas por razão alguma.
- Como assim? - Perguntaram-me num tom quase ciumento.

quinta-feira, janeiro 22, 2004

SABES O QUE ME APETECIA HOJE???

Manter a chama acesa. Procurar química e adrenalina. Apurar a sensibilidade auditiva. Usar um perfume arrebatador. Gravar todos os momentos. Saborear o que nos é intimo. Surpreendermo-nos pelo olhar. Beijar a tua boca de novo, saborear os teus lábios e a tua língua. Sentir o cheiro do teu cabelo.... afagá-lo. Passar a língua no teu pescoço, e despir-te sem te tocar. Olhar-te na menina dos olhos e ver-te, hoje de novo, como já te vi outrora.

terça-feira, janeiro 20, 2004

UMA CAMINHADA SEM DESTINO!!!

Acordei irritado e em dia NÃO. Tomei banho de água fria também. A caminho da agência, a uma velocidade vertiginosa, (sim... também estava atrasado) vinha a ouvir a banda sonora da série Riscos que hoje me pareceu retractar a minha vida, com bastante proximidade, pelo teor das letras das musicas... ou então não... sou eu que não percebo nada de inglês... que merda... que irritação.
Em dez minutos que demorei a chegar, (ao local de trabalho) tracei um cenário quase Dantesco. Decidi sair para o mundo numa caminhada sem destino. Decidi ir para Tóquio na Europa ou para Paris no Japão, talvez esta semana ainda.
Vou levar tudo num carrinho de supermercado. Quase me esquecia da moeda de cinquenta cêntimos . Sem ela não posso ir a lado nenhum.
Tóquio Europeia (1º destino). Cidade de quatro muros cinzentos. Dentro destes exibem-se as criaturas mais inesperadas. Espectáculos insólitos. Manifestos políticos e religiosos. Activistas que lutam pela liberalização do consumo de marijuana.
Nada melhor que poder desfrutar, numa terça feira, de manha, do vislumbre de cães com touca cor-de-rosa a serem passeados pelos donos ornamentados com o seu melhor cabresto.
Paris Japonesa (2º destino). Cidade sem paredes. Armadilhas loiras moldadas para atrair olhares libidinosos. Mais do que feitas de carne e osso, são corpos ópticos de linguagem ambígua e errática. A maior parte dos transeuntes navega alegremente de cliché em cliché. Porno cunhadas de peito à mostra esboçam gestos de verdadeira obscenidade. Todas as putas estão marcadas com uma flor. Meus amigos esta cidade é um autentico jardim.
Já a chegar à agencia decidi arrumar o carrinho de supermercado. Guardo os cinquenta cêntimos. Entro numa loja de suvenirs contígua ao meu local de trabalho, e saio de JC ao peito, com uma fé inabalável, na esperaça de que este amuleto vire a minha sorte. Isto sim. Isto é chique a valer .
Subo. Sento-me à secretária. Vou apertar o atacador... Ups... uma meia de cada cor. FODASSE que mais me irá acontecer hoje?
Eu sei que aquele circo humano não podia ser o meu local de eleição... Mas por momentos parecia-me a solução do mundo.
Agora que já partilhei tão momentosas questões com vossas excelências, vou trabalhar... com pézinhos de arco-íris.

domingo, janeiro 18, 2004

INTELIGÊNCIA, ATITUDE E LOUCURA QB

Há qualquer coisa no coleccionismo das nossas vivências que me parece um pouco doentio. Como se a tarefa de reunir e catalogar um passado determinado me roubasse o tempo, sempre urgente, de viver um presente que não se agarra nem se arruma.
Quando olho as coisas a cem anos de distancia vejo cinco mil e duzentas semanas de relatos de guerras, intrigas politicas e sociais, casamentos reais, descobertas geográficas e cientificas, revoltas populares, acontecimentos mundanos, enfim, tudo aquilo que ocupou a humanidade neste período.
Analisando as coisas daqui, agora, sentado nesta esplanada, há um extraordinário fresco da evolução das modas, dos costumes, dos gostos, das descobertas práticas e do próprio modo de viver. Fresco esse, por vezes, sacrificado ao mais fútil dos motivos.
Compreendo agora como as coisas se formaram e evoluíram. Como em cem anos de história germinaram alianças e ódios. Como sufocaram as revoltas que depois renasceram. Quem estava então certo e quem estava fora de razão.
Depois de eu acabar este café começará um fogo de artifício que durará vinte e dois minutos. No final deste, quero saber quando começa a verdadeira festa. Quero receber aqui, na minha mesa, alguém equilibrado e de bom senso. Inteligente, com atitude e loucura qb. Que seja possuidora de uma postura humilde e simpática, merecedora de respeito. Quero receber tal criatura com calor e cuidado, dando-lhe cuidados principescos e começar ou recomeçar algo sem repisar desgraças e muito menos antevendo-as.
Falta ainda um tempo não quantificável para o término do fogo de artifício em que os vinte e dois minutos servem de metáforas a imensas fugas... breves pausas, em que metade deles já pertence a um passado. No entanto o futuro reserva-nos a outra metade. Essa sim, essa é importante. Porém uma questão assola-me frequentemente. Se todos nos calasse-mos sobre o passado teria este acontecido realmente?!?

sexta-feira, janeiro 16, 2004

MECO

Acordar. Um dia lindo, cheio de sol. Meter-me no carro à procura de nada para fazer, de um sítio para ir. Fingir aqui e ali que estou noutro lugar que não Lisboa. Há praias aqui perto. Tenho apenas que escolher a hora de voltar, não vá o transito lembrar-me que estou em Lisboa. Meco como destino final. É verdade que vale a pena pelo espaço iluminado, no sentido real e figurado também, patentes na literatura das exposições vivas daquela singela aldeia. Depois talvez almoçar. Ao ar livre. Comer qualquer coisa saborosa e leve. Agora no deck do bar em cima da praia com vista para o mar. A atmosfera é light. A clientela em dias úteis é escassa, abrangendo porém dois casais bem parecidos com ar suspeito. À saída, depois do almoço, a caminhada na praia faz maravilhas. Tento encarnar um poeta. Evocar um paraíso. Cantá-lo e eterniza-lo. Descobrir uma ilha. Pôr-lhe um nome, e, cantá-la ao mundo. Enumerar os feitos dos Homens, fiéis depositários de toda uma riqueza. Cantar grãos de pimenta, adornos em ouro com incrustações de pedras preciosas. Balas de canhão e de mosquetes. E, até sabres Japoneses, que jazem num qualquer recanto deste vasto mar.
A primeira vista de uma ilha é sempre a mais espantosa, fazendo valer a razão das emoções.
Volto para casa. Apesar do sol que faz hoje, este ainda não é o mundo que quero para mim.
Mais logo vai-se para a cama mais feliz. Talvez sonhando com uma coisa linda.

domingo, janeiro 11, 2004

O SUBMUNDO DA FANTASIA!!!

Imaginem que estão a escrever um livro e se apaixonam pela vossa personagem principal. O que fazem?!?
Comecei por criar uma base de apoio para a escrita de um livro. Arranjei assim uma tela para esboçar o que me vagueava pela cabeça. Como o budismo aconselha, só em relação ao dia de hoje é que podemos agir. O de ontem e o de amanhã pertencem a tempos que já não são dados ou ainda não foram. Tentei afastar-me desta premissa, não por duvidar dela, mas porque me apetece, e criei dentro daquela tela um mundo com uma personagem principal.

Virei para Oeste. Lembro aquela sala de aula. Permaneces lá desde sempre a sorrir, com covinhas nas bochechas, carrapitos presos por ganchos em forma de caricas e bibe aos quadrados. Subir um lance de escadas. Ver alguém lá em cima que de repente esboça um sorriso. Olhar por uma janela e ver-me naquele barco, a remos, no meio do lago. Estou deitado no barco a olhar o crepúsculo. Vejo as primeiras estrelas. Tento encontrar o nome da minha personagem principal no céu. Vejo as primeiras luzes da noite reflectidas nas margens do lago. As primeiras árvores despidas das folhas do Outono. Uma luz que vem de dentro de uma concha no fundo do lago. Um coração, de cor indefinida, desenhado numa folha de papel, dentro daquela casa, por detrás de um aquário cheio de peixes coloridos. O vislumbre de uma orquídea vermelha nas areias da margem do lago. O pincel e as tintas que pintaram este cenário. O umbigo da tua barriga. E um quadro com traços de um artista que não consigo identificar.

Por vezes apetece-me dar início à escrita do livro com base no cenário pintado nesta tela, onde tu, personagem principal, me começasses por perguntar se eu queria que tu ficasses comigo naquele barco. Ouvir dizer-te que bastava sentares-te, ali ao meu lado, tirares o chapéu e o cachecol, cruzares os braços e esperares vinte minutos para perderes o avião.
Ás vezes também me apetece perguntar-te se o farias. Pensar que seria de um romantismo poético perderes esse mesmo avião pela sugestão de um facto, menos de um facto, uma ideia, menos de uma ideia, um pressentimento... Mas pelo menos ter-te visto ficar... mesmo assim... naquele barco, e conversar contigo, debaixo das estrelas, até nascer o sol.
O amor deve ser realmente uma longa e bela conversa entre duas pessoas, em que o tempo e o espaço perdem o seu verdadeiro sentido, residindo aqui o segredo da escolha da pessoa ideal.
Eu não sei o que acontece a um escritor que se apaixone pela personagem principal do seu livro. Só sei que se me acontecesse isso, depois de conhecer tal criatura assaltava-me a ideia de nada na natureza poder ter um nome e que não existimos só por existir, mas também essa existência não poderia ser chamada por um nome específico.
É para ai que me dirijo a partir de agora. São as minhas últimas palavras hoje aqui. Interpretem-nas como quiserem.

sábado, janeiro 10, 2004

HORAS E MINUTOS QUE MARCAM A NOSSA VIDA!!!

Antes de sair, olhei para este relógio e disse que voltava no início da noite. Eu não me perguntei a que horas voltava. Disse apenas que voltava no início da noite. Eu estava a ler, sabia que ia sair, esperava que saisse e não olhei para o relógio. Tinha acordado ás duas da tarde. Tinha comido. Eram três da tarde. Olhei-me quando aproximei o meu rosto do espelho, os meus lábios, para me beijar. Não me olhei quando saí mas, agora, consigo imaginar a porta depois de a ter fechado, os meus passos a desaparecerem nos degraus da escada e, depois o silêncio sem mim. Consigo até imaginar-me na rua. As minhas mãos sobre aquele livro que comprei, os meus passos. Talvez me tenha imaginado durante alguns instantes depois de sair. No entanto, se o fiz, essas imagens misturam-se com aquilo que lia e com a certeza de sair e de ter de aprender a estar sem mim durante algumas horas. Demorei meia hora até olhar para o relógio, este relógio, o mesmo para onde olhei antes de sair quando disse que voltava no início da noite. Tinha passado meia hora e, por isso, continuei a ler. Tentei não pensar que faltava mais de dez vezes o tamanho daquele tempo que passei sem mim até me ver de novo. Continuei a ler. A minha atenção entrava dentro das palavras, mas voltava sempre para mim. Continuava a ler, mas eu estava no fim de cada parágrafo, escondido entre as frases, no momento de virar uma página. Tentei não olhar para o relógio. Olhei para o relógio e eram cinco horas, eram cinco e dez, eram cinco e vinte. Ás cinco e meia pousei o livro e olhei. Fiquei sentado neste sofá, nesta sala e tu chamaste-me. São cinco e quarenta e dois.
Ao Longo de um dia quinze mil movimentos definem os lábios de qualquer um. Mas bastou apenas um movimento, ontem, naquele final de tarde insipído, depois de tantos anos, exactamente ás cinco e quarenta e dois, quando te encontraste diante a porta da minha alma e onde os meus olhos viram a mulher que és hoje e a criança que foste outrora, para me fazer vacilar. A minha mente abstraiu-se de todos os pensamentos rotineiros que se limitavam a movimentar-se naquela altura, de forma caótica e incoerente. Todos os medos, todas as dúvidas, inibições, tensões, fraquezas ficaram esquecidas, surgindo e tranformando totalmente, naquele mesmo minuto (quarenta e dois), daquela mesma hora (cinco) em que segurava o livro na minha mão, a minha vida, aquilo que posso definir como sendo um momento de felicidade pura por ter-te reencontrado, sentindo-me bem e em união com o mundo à minha volta.

quinta-feira, janeiro 08, 2004

A ALMA GÉMEA EXISTE... OU ENTÃO NÃO!!!!

Não são muitas as pessoas que acreditam que foi "vê-la e amá-la".
Mesmo num tempo apressado, mesmo com o vício de que tudo tem de ser rápido e eficaz, vai havendo a percepção, mesmo que ténue, mesmo que esbatida, que aquilo a que se chama amor é uma construção complexa e ambivalente, que não se condensa num momento nem se perscruta num breve encontro.
São poucos os que transformam uma atracção momentânea num romance condimentado. São já bastantes os que entendem que ter uma relação é uma tarefa, entre outras, complexa e exigente, a que não se acede sem esforço e vontade.
Ainda assim, muita gente, diria mesmo demasiada, queixa-se de solidão, sente-se desajeitada e pouco à-vontade sem uma companhia para todas as circunstâncias e acaba a procurar, quase com desespero, um parceiro que se encaixe e vá bem ao estilo de vida que deseja ter. Por qualquer razão tortuosa, transforma-se esta busca num estilo de vida e procura-se com a convicção de que há em algum lado, à nossa espera, a tal alma gémea... ou então não!!! Curioso como num mundo como o nosso o mito platónico consegue regressar em força. Surge assim uma crença partilhada e hegemónica de que não só é possível ter a relação perfeita como existe um ser que corresponde milimetricamente ao nosso desejo e que se se procurar bem, se se vasculhar muito, se não se for condescendente nem pouco exigente, ele estará à nossa espera. Nesse percurso cria-se uma de duas situações. Ou se consegue acreditar que banais emoções e vagas atracções são muito significatives e auspiciosas ou, contrariamente, a eventualidade de haver uma relação ainda melhor ou uma criatura mais perfeita cria ânsia de experimentar e largar e prosseguir na busca do amor perfeito, tornada demanda do santo gral.
No 1º caso, a necessidade de um outro que esteja presente, faça parte da nossa vida e dê sentido aos mais pequenos gestos costuma servir para ocultar, durante pelo menos algum tempo, a pessoa real com uma história de expectativas e idiossincrasias que de facto ali está. É sempre espantoso assistir ao desmontar do cenário e ouvir as pessoas passarem da narrativa de seres idílicos a idiotas chapados e desinteressantes.
No 2º caso, o espaço da pessoa real também não chega a ser grande coisa. O que muda é a direcção dos holofotes. Desde o começo, parece que o esforço vai no sentido da destruição sistemática das aparentes virtudes. Tenta-se descobrir defeitos, concluir rapidamente como afinal a criatura não é amável, instalar a dúvida e minar eventuais cumplicidades.
Uma e outra situações, sendo vulgares, comuns, falam apenas das nossas vulnerabilidades, dos nossos medos de entrega e partilha, das estratégias que, ainda que caricaturais e extremadas, conseguimos arranjar para não vivermos aquilo que afirmamos que nos move e desejamos.
Valendo o que vale, nunca é demais sublinhar que a ansiedade de querer ter uma relação e paixões fulgurantes e súbitas só por excepção tem alguma coisa a ver com amor.

(I.L)

quarta-feira, janeiro 07, 2004

TODA A DROGA QUE O TEU OLHO AZUL ME POSSA DAR!!!

Eu fui devagarinho, com medo de falhar, nao fosse esse o caminho certo para te encontrar. Fui descobrindo devagar cada sorriso teu. Fui aprendendo a procurar por entre sonhos meus.
Eu fui assim chegando, sem entender porquê. Já foram tantas vezes, tantas assim como esta vez... mas é mais fundo o teu olhar, mais do que eu sei dizer é um abrigo para voltar, ou um mar pra me perder.
Eu fui entrando pouco a pouco, abri a porta e vi, que havia lume aceso e um lugar pra mim. Quase me assusta descobrir que foi este sabor que a vida inteira procurei entre a paixao e a dor.

Lá fora, o vento, nem sempre sabe a liberdade. Gente perdida balança entre o sonho e a verdade. Foge ao vazio, enquanto o brinde.... eu trago-te comigo, e sinto tanto tanto a tua falta.

(M.V)

sábado, janeiro 03, 2004

O GUARDADOR DE REBANHOS II

- Olá guardador de rebanhos, aí à beira da estrada... que te diz o vento que passa?
- Que é vento, e que passa e que já passou antes e que passará depois. E a ti o que te diz?
- Muita coisa... mais do que isso. Falou-me de muitas outras coisas. De memórias e saudades... e de coisas que nunca foram.
- Nunca ouviste passar o vento. O vento só fala de vento. O que lhe ouviste é mentira... e a mentira está em ti.

(A.C)

sexta-feira, janeiro 02, 2004

O GUARDADOR DE REBANHOS

Sou guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos, e os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos, com as mãos e os pés, e com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheira-la.
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor me sinto triste de goza-lo tanto... e me deito ao comprido na erva... e fecho os olhos quentes... sinto todo o meu corpo deitado na realidade. Sei a verdade e sou feliz.

(A.C)

quinta-feira, janeiro 01, 2004

ALGUMA VEZ DANÇARAM COM O DIABO AO LUAR?!?

O sol nasceu hoje pela primeira vez este ano. Mas foi ontem que me apeteceu dançar contigo ao luar.

Numa qualquer rua de Buenos Aires ou Montevideu, senti-me perdido na alquimia do revolutear entre a terra e o céu, de alma rendida à liberdade, à audácia e ao milagre de andar a um palmo do chão.
O meu desejo, naquele momento, era dissolver-me num belo temporal, e procurar numa dança devassa e canção melancólica, típica dos bordéis do séc. XIX, uma forma de luto ou escape.
Procurei, ali, no meio daqueles transeuntes, muitos deles pertencentes ao partido dos sem opinião, tímidos, pavoneando-se numa parada de corte em busca de um(a) parceiro(a) para acasalar, uma escultura viva, de andar deslizante e jovial para me acompanhar nesta dança.
Quando, finalmente, te encontro no meio da multidão, não consigo alinhar duas palavras porque me fazes arrepios. Em vez de proferir qualquer som, num disparo, começa a despontar o efeito de uma grandeza arrebatadora, amor impossível, hábitos partilhados e pernas enlaçadas - o tango está a nascer... o tango está a acontecer.
O lirismo ansioso e sublime da música consolidou a tua identidade, a verdadeira personificação do romance, conferindo-te um tom refinado, erótico, trágico e ousado.
A partir de agora é proibido trocar palavras.
Enquanto dançamos surgem formas pálidas que desaparecem de novo, engolidas pelas nuvens do denso nevoeiro branco que se abatem neste palco.
De corpo e alma nesta dança, onde o arrojo estético é símbolo mortífero da nossa autoridade, espelhamos o terror neste campo de batalha. Quando esse arrojo estético ultrapassa um determinado limite, há sempre um conjunto de vozes - muitas vezes chamadas de puristas - que reclamam esse facto. Mas ao contrário do que já se viu escrito, este tango não parece ter nada a haver com a gestão milimétrica de um "timming". Quando muito, este tango tem a haver com a preservação cuidadosa de um quadro de condições, circunstâncias e possibilidades cuja evolução torne necessária uma vitória nesta dança.

Eu coloco o joelho direito por dentro do teu joelho e empurro-te ligeiramente o tronco (no tango, aconteça o que acontecer, o tronco da mulher permanece sempre virado de frente, totalmente centrado no homem) para a esquerda com a mão direita, forçando-te a recuar uns passos. Em quatro passos tu contornas-me e ficas de novo à minha frente. Eu afasto-te ligeiramente e tu giras de imediato parando de novo à minha frente: aqui estou eu. Eu recuo e tu segues-me imediatamente: nunca me abandones. Eu inclino-me sobre ti e tu também te inclinas... TU... mulher de cabelos compridos, subitamente tão flexível como um salgueiro: sou tua.

Alguma vez dançaram com o diabo ao luar?!?

Assim é o tango... assim é a vida... ou então não!!!!!


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