terça-feira, março 23, 2004

O NOME DO PRAZER

Falar do caminho para o prazer, mas não transmitir o prazer em si mesmo.
Falar de um nome e com ele mostrar um passado, um presente e um futuro, mas não encarna-lo.
O prazer é uma coincidência definitiva entre um estado físico e um estado mental, uma certa organização de um sistema nervoso particular.
Um nome é uma manifestação de sangue novo à nascença que pode ser rasurado e silenciado.
Fazer dançar o prazer obriga-nos à elaboração de uma fantasia esplendorosa que obedeça e se enquadre numa coreografia.
Fazer soar um nome basta pronuncia-lo.
É bom chegar à boca de cena e sentir que o humor faz tanta falta ao drama como o drama faz falta ao humor. Dar meia dúzia de passos no palco e encarar o público sem estar agarrado a um passado que não temos. Acabar o espectáculo, sair para a rua, beber a luz da cidade e eternizar este acontecimento. Inalar o cheiro desta mesma cidade e nunca mais lá voltar, mas, ainda assim, saber que fazemos parte dela. Lembrar aquele acto, aquele público, para apenas sentir que o coração já não bate da mesma maneira. Recordar o prazer e o desejo, podendo estes serem exercidos como demonstrações de poder ou, perdas de controlo, um teste a limites e limitações, ou uma descoberta dos limites dos afectos definidos pelas limitações do espectáculo em si. Recordar um nome e dele apenas sentir redundância, incoerência e rotinas enviadas numa miríade de direcções, tornando-o impossível de localizar, mas que algum pormenor do tempo se encarregou de transformar em agressão.

segunda-feira, março 15, 2004

UMA VERDADEIRA TENTAÇÃO PARA OS SENTIDOS!!!

Nada como começar a semana sem "planear", quer a palavra queira, efectivamente, dizer "sonhar" ou, com rigor, planificar.
Basta observar um qualquer quiosque para perceber que há tendências na imprensa que revelam essa vontade de sonhar - leia-se viajar - ou simplesmente pensar em.
A vontade de viver o que há de novo e interessante sobrepõe-se à vivência dos lugares comuns. Dominios como a arte, cultura, design e arquitectura, obrigam-me a encarar a essência dos verdadeiros exploradores e partir em busca do sonho mais real que se abate sobre a minha vida.
Abandonar-me à sombra reduzida de um império e com ela voar até a uma terra mística. Uma terra onde possamos sentir que o silêncio, que rodeia os vales, possa mexer com a nossa alma. Ver o céu tingido de cor-de-laranja, e com os olhos escuros sugar essa luz, sentir o cheiro a flores no ar, arrastado ao longo de milhares de quilometros desde as longínquas florestas tropicais.
Ter a oportunidade de me sentar numa crista elevada e olhar em todas as direcções para vales maiores que países, e ver rios serpenteando os mesmos.
Queria ir para um lugar assim: um lugar onde os sonhos não desaparecessem de dia. E ter um nome, que numa qualquer língua indígena quisesse dizer - Aquele que anda sem deixar rasto.

segunda-feira, março 01, 2004

THE LAST TIME

Recua comigo...
Era uma vez, há muito tempo, nesta mesa, onde tudo começou. Lembras-te?
Agarrei-te na perna e sacudiste-a para não me sentires; para não te chegar o que sentia.
(Acreditem... Não se riam...)
Eu estou aqui. E aquela onde estou sentado não é uma cadeira. É uma fábrica de fazer sonhos.
E tu? Como te chamas? Não és daqui pois não?
... E descobri. A história é tão simples como a cor dos teus olhos. Acredito que esta história começou aqui, neste mobiliário urbano de cor verde, plantado numa das sete colinas de Lisboa.
Para sempre fixei as tuas costas, a tua nuca e ainda hoje ouço o som da porta fechar-se. Penso que a terra e este céu também o sentiram. Por tua causa, vã glória de inspiração, o mundo apagou-se e a causa ruiu.
Para sempre julguei eu. Porque me entreguei como num fim, já sem corpo e perdido na pintura e na escrita exagerada das formas, que caricaturavam um mundo que já não compreendia... percebi depois... que em mundos vários, génios incertos e palavras vazias, que se espelham em todos os lagos, rios e mares do universo, há mil e uma formas de dizer sempre o mesmo, da lógica ao sentimento, pensando com razão o que se sabe na alma e se escreve no coração.
Durante muito tempo revi esse dia. Chegava-me sem eu o prever, sem eu o procurar. As pinturas transformaram-se, tornando o denso leve e o vazio cheio. No peito rebentaram as chagas que queimavam por dentro. Das paredes emanaram palavras que não são ditas por ninguém. Nos livros ouviam-se vozes que se empenham em experimentalismos e em levar ao extremo as sensações, podendo ter consequências sísmicas sem ser essas as suas intenções. Objectos de desejos. Objectos de prazer. Objectos que agradam ao olhar e dão um toque quente e acolhedor ao ambiente. Passaportes para viagens inesquecíveis... tal como esta musica que oiço... esta que me chega de um futuro que não vivi.
Foi assim, tal e qual.
E, sei lá porquê, cansei-me. Rendi-me e entreguei-me a mim próprio. Lembro-me bem da luz. Era a suficiente para me orientar no emaranhado de jazigos até chegar à cova aberta. Debrucei-me à beira dela. Era muito funda. Larguei a flor. Descrevendo pequenas espirais a flor lá foi caindo e acabou por bater no caixão. Apesar de tudo era um espelho que apresentava o EU a mim. Agarrou-me pelos estilhaços e colocou-os sobre a mesa verde, onde tossi as entranhas, tossi a alma, até que finalmente acabei por adormecer.
(Não tenhas medo, sem ti (EU) nada terias sentido, nem sequer a ilusão de um dia teres amado absolutamente)
Pode sempre explicar-se o drama de uma vida através de uma metáfora. Mas, nunca (*) "pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há-de repetir, ainda, uma e outra vez".

Hoje foi irrevogavelmente a ultima vez.

(*) In Insutentável Leveza do Ser

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